Tom Jobim e convidados - Samba de uma nota só
Samba de uma nota só
Eis aqui este sambinha feito numa nota só.
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.
Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer.
Como eu sou a conseqüência inevitável de você.
Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada,
Ou quase nada.
Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,
Não deu em nada.
E voltei pra minha nota como eu volto pra você.
Vou contar com uma nota como eu gosto de você.
E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó.
Fica sempre sem nenhuma, fique numa nota só.
Mais uma grande parceria entre Jobim e Mendonça.
Um sambinha, criado em 1960, moldado em uma nota só.
Mendonça foi um dos maiores parceiros de Tom no início da Bossa. Apesar de sua morte muito precoce em 22 de novembro de 1960 com 33 anos, no ano da composição de Samba de uma nota só, ele deixou, como letrista, quatro músicas significativas pra Bossa e pra decolagem da carreira de Tom: Desafinado, já aqui analisada; Meditação; Discussão e o seu Samba de uma nota só.
Os dois conseguem brincar de forma inteligente e com muita maestria com notas que entram e saem, obedecendo à letra. Eles mostraram como fazer algo genuinamente brasileiro, no estilo, claro, Bossa Nova.
Essa música é tida, como inúmeras outras da Bossa, como algo perfeitamente arquitetado.
Tudo o que se passa na música, na melodia, acontece na letra e vice-versa.
Perceba logo no primeiro verso:
"Eis aqui este sambinha feito numa nota só.
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.
Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer.
Como eu sou a conseqüência inevitável de você."
Escute ela.
Perceba que as duas primeiras frases de verso são cantadas com apenas uma nota, obedecendo ao que se fala nelas.
Na segunda frase ele anuncia o que está por vir: "Outras notas vão entrar, mas a base é uma só"
Então, entra a outra nota, após o prenúncio e como uma consequência do que ele acabara de dizer na letra:
"Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer"
O refrão, se é que se tem refrão essa música, é a punhalada nas músicas carentes de qualidade, cantado subindo e descendo na escala do acorde em questão, mostrando de certa forma a quantidade de notas que estão à disposição do compositor mas que não são usadas.
E ele utiliza toda a escla de notas do seu acorde no exato momento em que a letra diz:
"Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,
Não deu em nada."
No terceiro verso não é diferente.
A música volta pra nota inicial, no momento em que se fala na letra que o cidadão irá voltar pra sua mulher.
"E voltei pra minha nota como eu volto pra você."
Newton ainda faz uma adaptação na "ordem" da escala (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), colocando o dó no final pra que rime com o "só" da última frase, cantando todo o verso em uma única nota.
Eles dão uma aula de como fazer uma música de verdade, com relevante complexidade de composição, uma rica melodia e com uma letra que ainda fala de amor.
Samba de uma nota só é uma facada no banal, porque aliás...
"Quanta gente existe por aí que fala fala e não diz nada, ou quase nada, já me utilizei de toda escala e no final vai dar em nada... ou quase nada."
Espetáculo de Tom Jobim e Newton Mendonça.
Possíveis possibilidades!
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É por isso que a gente deve sempre seguir. Que nada nos detenha. Nem mesmo
o amor!
Há 12 anos